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Terceira associação de cannabis da Paraíba faz campanha para continuar cultivando e fornecendo óleo com custo acessível
16/04/2023 / 07:00
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A ACAFLOR – Associação Canábica Florescer realiza neste domingo (16/04), em João Pessoa, a festa Diamba, evento itinerante que tem como objetivo percorrer a capital unindo música e conscientização sobre o uso medicinal da cannabis sativa, a maconha. O primeiro encontro acontece na Vila do Porto, a partir das 17h, com uma roda de conversa sobre o uso terapêutico da planta, além de show com as bandas Passageiro 22 e Freetozz.

Terceira associação de pacientes de cannabis registrada na Paraíba, a Acaflor foi fundada em setembro de 2022 e nasceu da união de pacientes de cannabis e militantes da causa, com o objetivo de atender aos pacientes e lutar pela democratização do acesso à planta.

A ONG promove serviços de educação em saúde, divulgação científica, assessoria jurídica e de cultivo, orientação para profissionais da saúde, acolhimento e acompanhamento de pacientes e parceria com médicos prescritores que avaliam as possibilidades de tratamento e trabalham no cuidado integral de cada paciente, além de fornecer o óleo com preço de baixo custo e com políticas de acessibilidade, como descontos para pessoas em situação de vulnerabilidade e gratuidade na anuidade.

Também tem como objetivo fomentar políticas públicas de fortalecimento e divulgação do uso terapêutico/medicinal de plantas, em especial a cannabis sativa spp.

O coordenador é o psicólogo e residente em saúde mental Cauê Pinheiro, primeiro paciente do estado autorizado pela Justiça ao cultivo doméstico para uso terapêutico pessoal. O histórico de militância com a causa desde 2013, além da experiência somada como cultivador na Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE) levou Cauê à criação da Acaflor, que hoje atende cerca de 50 pacientes com os os óleos à base de CBD e THC, substâncias presentes na maconha.

“Nós atendemos essas pessoas tanto com acesso à saúde, com consultas médicas, com acompanhamento, ajuste de doses, oferta de serviços de saúde, como também fornecendo o óleo de acordo com a prescrição médica. Trabalhamos com um sistema atualmente que permite um controle de gerenciamento de associados, onde a gente tem um controle de quais óleos os pacientes podem ter acesso, quantos óleos eles compram, pra que seja tudo de acordo com a a receita. Com isso conseguimos garantir uma maior segurança, pra que não haja desvio de função e só haja a compra e o uso correto”, afirma Cauê. “Por mais que seja um fitoterápico, a automedicação errada também traz prejuízos”, reforça.

Em abril, a Acaflor iniciou uma campanha de financiamento coletivo para a estruturação de sua sede, localizada em João Pessoa, e adequação do seu laboratório às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), medidas necessárias para garantir o pleno funcionamento da entidade.

“As consultas médicas hoje nós sabemos que na maioria das vezes são inacessíveis e o uso medicinal da cannabis tem se tornado artigo de luxo de alguma forma, onde médicos chegam a cobrar R$ 800 por uma consulta, então em parceria com médicos que estão alinhados com nossa forma de pensar, com nossa ideologia política de fortalecimento ancestral, de fortalecimento do cuidado integrativo, nós temos conseguido oferecer consultas a baixo custo pra pessoas que recebem até dois salários mínimos, mas priorizando as pessoas hipossuficientes que recebem até um salário mínimo”, ressalta Cauê.

Tatuadora Priscila Witch encontrou no óleo de THC alívio para o sofrimento trazido pelo diagnóstico de endometriose

“Quando eu comecei o tratamento foi outra vida”

Para o clínico geral e médico de medicina integrativa, Felipe Mourão, a resistência ao uso da cannabis pode ser atribuída a uma variedade de fatores, incluindo a falta de conscientização sobre seus benefícios terapêuticos e a confusão em torno de sua legalidade.

Ele afirma não ter dúvidas de que “a maconha faz parte de uma nova revolução na medicina, visto seu potencial nas mais diversas condições de saúde e sua aplicabilidade como tratamento integrativo e complementar, com potencial redutor de danos. O tratamento com cannabis é seguro e bem tolerado em doses terapêuticas e tem um baixo potencial de causar efeitos colaterais adversos”.

De acordo com Felipe, muitos médicos e profissionais de saúde têm receio de prescrever ou recomendar o uso de CBD devido à falta de orientações claras sobre a dosagem, interações medicamentosas e efeitos colaterais potenciais.

“Para avançar nesse cenário, é necessário uma maior conscientização sobre as propriedades terapêuticas da planta e a necessidade de mais pesquisas sobre seus benefícios e riscos potenciais. Os profissionais de saúde devem ser educados sobre o uso da cannabis em diferentes condições médicas e as orientações de dosagem adequadas. Além disso, é necessário que haja mais regulamentação e políticas claras em relação ao uso medicinal da cannabis e seus compostos, o que pode ajudar a reduzir a confusão em torno da legalidade do tratamento e aumentar a acessibilidade aos pacientes que podem se beneficiar do tratamento”, diz o médico.

A produtora cultural, tatuadora e grafiteira Priscila Lima recebeu diagnóstico de endometriose e teve a vida pessoal e profissional afetada pelas dores “fora do normal” e crises de ansiedade decorrentes da doença.

“Levantar pra ir tomar o remédio por exemplo eu não conseguia”, relata sobre a dependência de outras pessoas para atividades básicas da rotina.

“Chegou a um ponto em que tava atrapalhando todos os momentos mesmo, não tinha mais uma data certa pra vir as dores, não era apenas no ciclo menstrual e me deixava impossibilitada de fazer várias coisas, eu ficava acamada literalmente, dependendo de muitas pessoas pra poder fazer qualquer coisa”, conta.

Antes de recorrer ao óleo da cannabis, Priscila fez uso de diversos remédios e passou pelo implante de um DIU como alternativa de tratamento, mas nada apresentou eficácia como a utilização da planta.

“Todos os tratamentos que eu fiz com anticoncepcional não funcionaram e eu tinha que tomar muita medicação alopática, uns medicamentos que não eram pequenos, uns comprimidos gigantescos, que só faziam mal pro meu fígado, meu estômago, até meu rim já tava começando a ficar comprometido porque, não sei o que acontece, mas algumas medicações são tão fortes que não ajudam seu organismo a digerir tudo direitinho”, diz Priscila.

“Mesmo cuidando com os chás, com uma alimentação toda anti-inflamatória, fazendo atividade física, nada funcionava porque faltava uma pecinha nesse quebra-cabeça, que no caso era o tratamento com o óleo. Eu fui atrás e quando eu comecei foi outra vida, assim, literalmente”.

A estudante de pedagogia Maria Eunice, 25, também encontrou na cannabis uma alternativa aos efeitos colaterais provocados por outros remédios após ser diagnosticada com borderline e sofrer com convulsões. Ela combina o uso do óleo a um acompanhamento terapêutico, prática de atividades físicas, alimentação e vida social equilibrada.

“Eu não quero de forma alguma dizer que as medicações são ruins, não é isso que eu acredito, esse pensamento é muito anticientífico, pelo contrário, as medicações me ajudaram por muito tempo, me mantiveram viva né, mas me causavam outras questões que a cannabis não causou, eu comecei a utilizar o óleo e as convulsões pararam, eu não tive crises de ausência por muito tempo, aconteceu apenas uma, mas comparado a ter todos os dias como tava acontecendo, pra mim foi algo que eu fiquei ‘meu Deus, como é possível sabe’, e sobre o borderline eu nunca me senti tão estável como eu me sinto agora, não quer dizer que eu não tenho meus momentos, eu sou um ser humano, ninguém tá livre de ficar triste, pelo contrário, não é sobre não ficar triste, sobre não ficar ansioso, é sobre sentir tudo isso e ter emoções saudáveis”, afirma Eunice.

Evidências científicas sobre CBD e THC

Felipe Mourão ressalta que a cada dia surgem mais pesquisas a respeito do uso da cannabis no tratamento dos mais diversos quadros e sua aplicação na saúde mental é uma das principais indicações. Apesar disso, o status de ilegalidade da planta sempre atrasou e continua sendo entrave na realização dessas pesquisas.

Um estudo de 2019, publicado no Journal of Clinical Psychology, descobriu que o CBD reduziu os sintomas de ansiedade em pacientes com transtorno de ansiedade social. Outro estudo publicado no Journal of Psychopharmacology, em 2018, apontou que o CBD foi eficaz na redução da ansiedade em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo.

Também há evidências de que a cannabis pode ter propriedades antidepressivas. Um estudo de 2018, publicado na revista Molecular Neurobiology, descobriu que o extrato rico em CBD e THC tinha efeitos antidepressivos em modelos animais de depressão. Outro estudo de 2019, publicado na revista Neuropsychopharmacology, descobriu que o CBD melhorou os sintomas de depressão em pacientes com psicose.

Felipe explica, no entanto, que é necessário mais estudos sobre a aplicabilidade do uso da cannabis em condições como a bipolaridade e a esquizofrenia, por exemplo. “Ainda temos poucas pesquisas que sustentam o uso de derivados de cannabis nessa condições, mas todas são promissoras quanto aos benefícios”, comenta o médico.

Ele explica alguns dos benefícios comprovados da cannabis e sua aplicação em diferentes quadros clínicos:

  • Epilepsia: o CBD é usado como um tratamento para algumas formas de epilepsia, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut.
  • Dor: o THC tem propriedades analgésicas e pode ser usado para tratar a dor crônica associada a condições como artrite, esclerose múltipla e fibromialgia.
  • Ansiedade: o CBD tem propriedades ansiolíticas e pode ser usado para tratar distúrbios de ansiedade, como transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo.
  • Insônia: o CBD e THC podem ajudar a melhorar a qualidade do sono e são usados como tratamento para a insônia.
  • Transtornos neurológicos: o CBD tem sido estudado para o tratamento de transtornos neurológicos, como a doença de parkinson, a esclerose múltipla e a neuropatia periférica.

Estudante de pedagogia, Maria Eunice faz uso do óleo da maconha no tratamento de convulsões e do transtorno de Borderline: ‘as outras medicações me causavam efeitos colaterais que a cannabis não causou’

Paraíba é referência na produção de derivados da cannabis

Atualmente, existem duas redes de articulação nacional que integram associações de pacientes no Brasil: a Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (FACT) e a União Nacional das Associações de Cannabis Medicinal (UNACAM).

A Fact tem como coordenadora a mestre em Direito e analista judiciária do Tribunal de Justiça da Paraíba, Sheila Geriz, que também coordena a Liga Canábica Paraíba, primeira associação de pacientes do estado e uma das primeiras registradas no país.

Já a Unacam tem como diretor executivo e fundador Cassiano Gomes, que também é o fundador e diretor executivo da Abrace, associação pioneira no país na conquista de autorização judicial para produzir óleo de canabidiol para os seus pacientes, em 2017.

A Abrace conta com quase 40 mil associados e pacientes que utilizam os produtos à base de canabinoides produzidos pela associação, com sede em João Pessoa e cultivo em Campina Grande. É na sede da Abrace em Campina Grande que se encontra o maior cultivo legalizado de maconha do Brasil.

Cauê Pinheiro reforça a importância das articulações locais e nacionais para a criação de políticas públicas em prol da cannabis medicinal. Foi graças ao movimento encabeçado por diversas famílias brasileiras, incluindo as paraibanas, a partir de 2013 e 2014, que a discussão sobre o direito à saúde através da maconha terapêutica ganhou impulso na mídia nacional, ganhando reportagens em programas como o Fantástico, com o caso Anny Fischer, e documentários como “Ilegal: a vida não espera”, acompanhado das primeiras decisões judiciais favoráveis ao cultivo doméstico, coletivo, importação e autorização para venda em farmácias.

A Acaflor conta com o apoio e mantém articulação política tanto com a Abrace quanto com a Liga Canábica, desenvolvendo parceria técnico científica, tecnológica e de ajuda mútua.

“Como nós somos associações do estado é fundamental que a gente esteja unido e junto pra enfrentar os retrocessos, como recentemente houve a tentativa de um político conservador em proibir a marcha da maconha, que é um movimento político de fortalecimento do uso medicinal da cannabis e também da luta contra a guerra às drogas, que é outra bandeira que a Acaflor levanta e entende como fundamental, uma vez que a proibição da cannabis acontece e tem suas origens racistas, tanto na perseguição contra os povos negros como na perseguição contra os povos indígenas, então é uma ferramenta de controle cultural, social e de saúde. E eu diria também que esse é um dos diferenciais da Acaflor, assim como outras organizações, trazer essa importância da memória ancestral que a cannabis tem, e do uso de fitoterápicos. O Brasil é forjado nas culturas negras e indígenas, apesar de ter influência de diversas outras culturas, e essa é uma cultura que traz o uso da medicina popular, o uso das plantas como cura, então essa é uma discussão que a gente também levanta dentro da Acaflor”, afirma Cauê Pinheiro.

Campanha para construção de sede e laboratório da Acaflor

A Acaflor está promovendo uma campanha de financiamento coletivo para estruturar seu laboratório e adequá-lo às normas e legislações da ANVISA.

A medida é necessária para garantir a qualidade e a segurança dos produtos que a organização produz e distribui, mas também para garantir o funcionamento da instituição, visto que o órgão nacional de vigilância sanitária dispõe de resoluções de diretoria colegiada disciplinando como deve ser o sistema de qualidade da produção dos óleos, como a RDC 301/19.

Ainda em 2023, a ONG planeja promover suporte terapêutico, jurídico e institucional para mães periféricas de crianças autistas. Também, organizar rodas de conversa e cursos formativos na temática do uso medicinal da cannabis, com foco em comunidades periféricas atingidas pelas ações violentas do Estado na guerra às drogas.

Enquanto o tratamento com cannabis medicinal já é uma realidade para pessoas com condições de pagar, a Acaflor busca democratizar o acesso à saúde proporcionando direito à dignidade, qualidade de vida, saúde e bem estar, lutando contra a discriminação que o paciente usuário de cannabis sofre.

Para mais informações sobre a campanha de financiamento, serviços da Acaflor e demais dúvidas, é possível entrar em contato através do número (83) 99131-5571 ou ainda pelo Instagram @acaflor_