A instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado para investigar a existência de um “balcão de negócios” no Ministério da Educação sofreu duro golpe durante este fim de semana, após uma ação intensa do governo para barrar a apuração – que teria na mira lideranças partidárias, pastores e liberação de emendas.
Três parlamentares decidiram retirar o apoio para criação da comissão, o que torna praticamente inviável a sua instalação. Mudaram suas posições Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Weverton (PDT-MA).
Na sexta-feira (8), o autor do requerimento, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou que havia reunido as 27 assinaturas necessárias para instalar a comissão.
No entanto, no mesmo dia, senadores relatavam uma grande operação do governo para tentar reverter assinaturas. A avaliação dos governistas é que uma CPI em ano eleitoral poderia ter fortes consequências para os projetos de reeleição de Jair Bolsonaro (PL).
“O governo montou de fato uma força tarefa contra a CPI. O mesmo governo que diz que CPI não dá em nada, que é circo, corre agora desesperadamente para impedir que a comissão ocorra, investigue. Se tivesse esse mesmo esforço e empenho para combater a pandemia, para combater a inflação e o desemprego, o Brasil estaria bem melhor”, afirma Randolfe.
O parlamentar reconhece as dificuldades, uma vez que o governo atacou em “várias frentes, que não apenas com orçamento secreto”. No entanto, afirma que vai continuar tentando angariar as assinaturas que agora faltam e que já tem duas ou três pessoas dispostas a aderir.
Senadores ouvidos pela Folha apontam que há pastores ligados à bancada evangélica entrando em contato com parlamentares direta ou indiretamente para tentar a retirada das assinaturas. Isso porque o escândalo envolve dois religiosos.
A liberação de emendas parlamentares e apoio nos estados para as eleições de outubro também são citados, relataram esses parlamentares.
O primeiro senador a anunciar a retirada foi Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Em suas redes sociais, ele argumentou que a CPI do MEC neste momento acabaria virando um palanque político.
“Resolvi retirar a minha assinatura da CPI do MEC. Continuo acreditando que existem fatos graves no MEC que precisam ser investigados. Porém, uma CPI tão próxima das eleições acabará em palanque eleitoral”, escreveu em redes sociais.
Na manhã de domingo (10), outro senador do Podemos, Styvenson, anunciou a retirada de seu nome da lista. O parlamentar usou o mesmo argumento de seu correligionário, alegando que a CPI poderia se transformar em palanque político.
“Styvenson declarou que todas as denúncias de crime devem ser investigadas e os criminosos punidos, mas avaliou que trazer essa discussão para dentro do Congresso Nacional em um ano eleitoral serviria apenas para dar palanque político para a oposição”, informou o gabinete em nota.
Entre os senadores, circula a informação de que houve pedido da liderança do Podemos no Senado para que os senadores da legenda retirassem suas assinaturas. A articulação teria envolvido o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), em contato com o líder Álvaro Dias (Podemos-PR).
O senador Álvaro Dias nega a informação de que teria atuado para retirada de assinaturas.
“Jamais admitiria isso. Quem me conhece sabe do meu comportamento de independência e seriedade. Eu fui certa vez expulso do PSDB por assinar CPI para investigar o governo do meu próprio partido”, afirmou.
O líder do Podemos no Senado ainda acrescenta que orientou inicialmente os parlamentares de seu partido contra a instalação da CPI, mas por ter feito uma avaliação política do momento. Essa orientação se deu ainda no início das discussões e não teve, argumenta, qualquer relação com a atuação do governo.
“Há algum tempo eu alertei os colegas de bancada no nosso grupo de WhatsApp que nesse ano eleitoral não deveríamos assinar nenhum requerimento de CPI, porque trata-se de palanque eleitoral, banalização de um instituto fundamental no parlamento, que é a CPI”, afirmou.
No caso de Oriovisto, senadores também apontaram sua relação com o grupo Positivo, de educação e tecnologia, para ser mais susceptível à pressão do governo. O senador é um dos fundadores do grupo e repassou sua participação aos filhos ao se candidatar.
Apenas a Positivo Tecnologia tem três contratos com o governo federal, em um total de R$ 6,7 milhões.
O senador não quis dar entrevista à Folha, apenas descartou por mensagem que o motivo da retirada de sua assinatura tenha sido pressão do governo ou que essa pressão tenha envolvido os negócios de sua família.
“Claro que não!”, escreveu.
O terceiro parlamentar a retirar o seu apoio foi o pedetista Weverton, segundo confirmou sua assessoria de imprensa à Folha.
O gabinete do senador afirma que nunca chegou a subscrever o documento e que sua assinatura não chegou a ser lançada no sistema. O nome dele era contabilizado por Randolfe Rodrigues.
Questionada sobre os motivos da retirada do apoio dado ao requerimento –ao menos informalmente – o gabinete do parlamentar negou que a decisão tenha sido tomada em decorrência de pressão do governo e que o senador apenas avaliou que essa era a decisão correta a ser tomada.
As assinaturas para a CPI já haviam sido alvos de polêmica, após acusação da senadora Rose de Freitas (MDB-ES) de que sua assinatura havia sido incluída indevidamente e depois retirada. A parlamentar chegou a pedir uma investigação formal no Senado.
No entanto, o senador Randolfe Rodrigues afirma já ter tido acesso ao IP dos computadores usados para incluir e retirar a assinatura digital da parlamentar. E isso teria sido feito no gabinete da parlamentar. Randolfe, portanto, vai insistir na investigação e, caso ela não ocorra ou termine sem resultados, promete acionar o Conselho de Ética para averiguar o caso.
Outra possível dificuldade a ser enfrentada pela CPI é a posição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que põe em xeque a sua instalação, mesmo se houver assinaturas.
Na quinta-feira (7), Pacheco afirmou que o recolhimento das assinaturas não é a única condição para a instalação de uma CPI e que também é necessário um “crivo” da presidência. O próprio presidente já havia pedido dois dias antes “cautela” com mecanismos legislativos que podem ter “viés eleitoral”.
A pressão pela instalação da CPI surgiu com a divulgação de denúncias de existência de um balcão de negócios para a distribuição de recursos para a educação, esquema que seria operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. O escândalo derrubou o ministro da Educação Milton Ribeiro, exonerado em 28 de março.
A crise ganhou novas proporções com a divulgação de um áudio pela Folha, no qual o então ministro afirma que prioriza amigos e indicações do pastor Gilmar Santos, a pedido do presidente Jair Bolsonaro. Ele ainda indica haver uma contrapartida supostamente direcionada à construção de igrejas.
Informações: FolhaPress