Muita gente associa o turismo apenas ao lazer, mas a realidade mostra que quando planejado com critérios, ele também pode funcionar como política de conservação.
No Brasil, parques nacionais e iniciativas privadas oferecem pistas desse potencial.
No Pantanal, o Onçafari se tornou referência ao transformar a onça-pintada em ativo econômico e símbolo de conservação. A iniciativa estruturou safáris fotográficos e pesquisa de campo, aproximando fazendeiros e comunidades do maior felino das Américas.
“O Onçafari demonstrou que as onças valem mais vivas do que mortas, através do ecoturismo”, afirma ao g1 Mario Haberfeld, fundador e CEO.
Ele explica que o processo de habituação faz com que os animais deixem de ver os veículos como ameaça e que isso atrai visitantes do mundo todo, gerando renda e novas oportunidades.
“A comunidade se beneficia ao perceber que a onça-pintada viva tem mais valor do que morta.”
E a mudança é percebida também na renda local. Segundo Haberfeld, ex-peões de gado foram treinados como guias e viram a remuneração crescer, enquanto proprietários passaram a diversificar o negócio com o ecoturismo, sem abandonar a pecuária.
O fundador da iniciativa ressalta, no entanto, a importância de regras claras para evitar interferências no comportamento dos animais e preservar a qualidade da experiência.
Para ele, o modelo é replicável em outros biomas, com adaptações de acordo com espécie e ambiente, e já avança com lobos-guará no Cerrado.
Em Bonito, no Mato Grosso do Sul, o limite diário de visitantes e a cobrança de taxa de conservação ajudam a manter rios, trilhas e cavernas preservados.
Já em Maragogi, em Alagoas, turistas participam do plantio de “bebês-corais” nos recifes, contribuindo para a recuperação marinha.
Em Santa Catarina, o Instituto Alouatta soma mais de 25 mil participantes em trilhas e ações de educação ambiental.
E em comunidades quilombolas como Alto do Santana, em Goiás, e Laranjituba, no Pará, o turismo valoriza cultura, culinária e o território tradicional, com impacto direto na renda.
Outro exemplo é o chamado aviturismo, que amplia esse leque ao se apoiar na ciência-cidadã e na capilaridade de observadores pelo país.
“O Brasil tem um elevado número de espécies de aves (cerca de 1971) e um grande número de endemismos – Aves que ocorrem somente no brasil (293)”, diz Guto Carvalho, criador e organizador do AvistarBrasil, maior feira de aves da América Latina.
Ele vê uma base estruturante na rede de observadores e em uma rede de operadores de qualidade internacional, além da infraestrutura aérea que conecta destinos de Norte a Sul.
“Esse conjunto de fatores são estratégicos para o desenvolvimento do turismo de observação de aves.”
Por isso, Carvalho compara o potencial econômico do modelo ao de safáris africanos, com diferenças de escala e contexto. Para ele, o birdwatching pode ir além por ocorrer em áreas naturais e também urbanas, alcançar diversos habitats e mobilizar um hobby global.
“Há pesquisas que citam até 90 milhões de observadores. Além disso, há que considerar o público brasileiro, o turismo doméstico que é crescente. O WikiAves, portal brasileiro de aves, já registra mais de 6 milhões de fotografias em seus arquivos, o que dá uma boa dimensão do potencial doméstico.”
Agora para transformar todo esse potencial em desenvolvimento local, especialistas enfatizam a necessidade de regras de visitação, monitoramento de fauna, participação das comunidades e reinvestimento em manejo e infraestrutura.
Carvalho, por exemplo, defende políticas públicas que qualifiquem guias, lodges e serviços, fomentem abrigos de observação, aproximem unidades de conservação das comunidades do entorno e derrubem barreiras como a taxação de binóculos, apontada como entrave ao crescimento do setor.
Com g1