21/06/2021 14h30
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Na mesma semana em que 12 estudantes universitários e um professor começavam a ser julgados na Belarus por participar de manifestações pacíficas contra a ditadura —algo que o regime de Aleksandr Lukachenko transformou em crime—, a Universidade Federal da Paraíba anunciou um acordo de cooperação com a Universidade Estatal da Belarus (BSU), acusada de reprimir seus docentes e alunos.
Com validade de cinco anos, a parceria da universidade federal brasileira com a instituição belarussa prevê intercâmbio de alunos e pesquisadores, pesquisas conjuntas e co-orientação de pós-graduandos.
No comunicado em que o acordo foi anunciado, Leila Bijos, uma das coordenadoras de Internacionalização de Educação Superior, descreve a BSU como “um marco no desenvolvimento educacional na região, atraindo alunos e pesquisadores de toda a Ásia”.
“A experiência internacional para um pesquisador, ou para um aluno, é simplesmente inovadora em termos de padrões intelectuais, culturais e sociais”, afirma a professora.
A BSU, porém, está envolvida em vários casos de repressão, entre eles o próprio julgamento iniciado em maio, conhecido como Caso dos Estudantes: 4 dos 12 alunos sujeitos a pegar até três anos de prisão são dessa universidade estatal.
Outros sete estudantes da instituição estão na cadeia por motivos políticos, de acordo com a Associação de Estudantes da Belarus, e ao menos 19 estudantes foram expulsos e 17 docentes, demitidos por motivos políticos, segundo Volha Yermalaieva Franco, representante da Embaixada Popular da Belarus no Brasil —de oposição ao regime de Lukachenko.
Em depoimento, o ex-professor da BSU Yaraslau Kot relatou ter tido seus dados pessoais vazados após declarar sua posição contra o ditador Aleksandr Lukachenko. “Meu carro foi pichado, recebi ligações com ameaças. A administração me chamou para conversas e disse: ‘Por que você está conversando com os estudantes sobre política? A culpa será sua se eles forem esmagados com tanques’.” Em dezembro, ele foi demitido.
A universidade também cortou bolsas de estudo e expulsou da residência estudantil outros 17 alunos, e mais de 168 foram oficialmente repreendidos por protestar contra a ditadura. Vários se viram forçados a deixar o país, como Leanid Kazatchak, que estudava relações internacionais na BSU.
Ele foi preso por 12 dias em outubro do ano passado e, ao ser solto, recebeu uma advertência da universidade. Em fevereiro deste ano, após nova detenção pela polícia, deixou a Belarus e foi também expulso pela universidade.
“Neste momento, a assinatura de um acordo de cooperação com a BSU é vista pela sociedade belarussa como um gesto de apoio às ações da administração universitária, que encaminha os seus alunos ao banco dos réus”, escreveu Volha Yermalaieva Franco em carta enviada à federal paraibana.
Ela citou o abaixo-assinado lançado pela iniciativa Universidade Honesta —que defende liberdade de expressão no ensino superior belarusso—, por um boicote de parcerias e cooperações internacionais com a instituição “até que a repressão política em Belarus seja encerrada”.
A UFPB é a única universidade brasileira a manter acordos com a BSU. A UnB, que tinha uma parceria, rompeu os laços no ano passado após a violenta repressão da ditadura contra os manifestantes, atitude semelhante à tomada por universidades na Alemanha na Ucrânia.
Além de receber críticas de outras universidades brasileiras e internacionais, a UFPB está sendo acusada de censurar perguntas de internautas durante um evento para apresentar a parceria, na manhã da última sexta (18). Durante a videoconferência, o belarusso Tsimafei Malakhouski, da iniciativa Honest People, relatou ter sido removido do evento sem justificativa, antes de fazer qualquer pergunta.
“Você foi excluído da conferência pelo organizador” foi a mensagem que recebeu, antes de voltar à reunião com uma conta anônima, segundo ele.
Outro participante, o pesquisador de literatura e cultura belarussa Paterson Franco, relatou ter tido seu microfone cortado quando pedia às representantes da federal paraibana -Leila Bijos e a diretora de Relações Institucionais, Ana Berenice Martorelli- uma posição sobre a crise política na Belarus.
Antes disso, Franco havia perguntado à representante da BSU, a professora Elena Dostanko, como a instituição poderia garantir a segurança de estudantes brasileiros, “uma vez que existem inúmeras repressões a manifestantes pacíficos na Belarus”. A docente belarussa disse “estar ciente da complexidade” dos problemas que afetam seu país, mas que não falaria sobre política.
Volha também teve seu microfone cortado durante a videoconferência, quando apresentava números sobre a repressão na BSU. Sua fala foi depois restabelecida pela diretora de Relações Internacionais, mas a professora belarussa voltou a repetir que não falaria de política. O evento, segundo a ativista, foi encerrado abruptamente.
A ditadura da Belarus já fez mais de 30 mil detenções desde que começaram os protestos pedindo a renúncia de Aleksandr Lukachenko e eleições livres, em agosto do ano passado.
Nesta segunda (21), havia 501 presos políticos no país, segundo a entidade de direitos humanos Viazna. Ao menos 1.350 alunos e 270 professores universitários foram punidos por se manifestarem contra a repressão violenta do regime.
Nesta segunda, União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá fizeram um anúncio coordenado de amplas sanções contra a ditadura belarussa, para aumentar para aumentar a pressão contra “práticas repressivas do regime de Aleksandr Lukachenko contra seu próprio povo”.
O jornal Folha de S.Paulo procurou a UFPB desde as 8h (horário do Brasil) e conseguiu contato com um dos professores responsáveis por cooperação internacional às 9h42, mas, até as 14h, ainda não havia recebido resposta ao pedido de entrevista.
ENTENDA O CASO
O que acontece na Belarus?
Desde agosto de 2020, manifestantes protestam contra eleição considerada fraudada, na avaliação de entidades internacionais, e pedem a saída do ditador Aleksandr Lukachenko
Quem é Lukachenko?
Ex-administrador de uma fazenda coletiva durante a antiga União Soviética, ele venceu a primeira eleição presidencial no país, em 1994 -a única considerada livre e justa. Desde então, concentrou poder, reprimiu a oposição e se reelegeu nos pleitos seguintes
O que mudou no ano passado?
A candidatura de Svetlana Tikhanovskaia, à frente de outros grupos de oposição cujos candidatos foram presos ou exilados, atraiu forte apoio no país, levando à percepção de que, pela primeira vez, adversários de Lukachenko teriam chance nas urnas. Mas observadores foram impedidos de acompanhar a votação e a ditadura divulgou que o presidente obteve 80% dos votos, desencadeando revolta e protestos.
Por que a UE lançou nova rodada de sanções?
No final de maio, Lukachenko ordenou a interceptação de um voo da Ryanair que ia da Grécia à Lituânia e tinha a bordo um adversário de seu regime, o blogueiro Roman Protassevich, 26, que foi preso ao desembarcar em Minsk e está sendo processado por três crimes. O ato foi considerado um atentado à segurança da aviação civil e aos direitos humanos.
Se outras três levas de sanções não funcionaram, por que esta funcionaria?
As primeiras rodadas proibiram viagens e congelaram ativos de indivíduos e instituições envolvidos com a repressão violenta a manifestantes pacíficos, mas foram consideradas simbólicas, já que a elite da Belarus têm poucos investimentos no bloco europeu.
Agora, pela primeira vez serão afetados setores economicamente relevantes para o regime, como armas, tabaco, produtos de petróleo e potássio, responsável por parte considerável da receita belarussa. A estratégia é elevar o custo da ajuda russa, para que o governo de Vladimir Putin deixe de sustentar Lukachenko.