Em fevereiro de 2023, a cidade de Campina Grande, no interior da Paraíba, conhecida pelo “Maior São João do mundo”, virou o epicentro do mais recente golpe com criptomoedas no Brasil.
Milhares de campinenses, motivados pelo boca a boca entre parentes, amigos e conhecidos, investiram suas economias pessoais sob a promessa de um ganho financeiro ao redor de 8% ao mês. É uma taxa considerada irreal pelos padrões usuais do mercado.
Os participantes convertiam seu dinheiro em ativos virtuais, que eram “alugados” para a companhia e ficavam sob gestão dela pelo período de um ano. Os rendimentos dos clientes representavam o pagamento pela “locação” dessas criptomoedas.
Foi quando o calendário de remuneração dos dividendos deixou de ser cumprido em dezembro de 2022, e a hipótese de calote pairou no ar. Na época, Antônio Neto Ais, o fundador da companhia, chegou a dizer que gerenciava R$ 600 milhões de 10 mil pessoas.
Fundada em 2018, a Braiscompany começou a levantar rumores, além das divisas de Campina Grande, sobre o alto retorno financeiro pago pela empresa. E atraiu pessoas da capital João Pessoa e de outros locais, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Mas era a cidade paraibana de 400 mil habitantes que representava o principal da clientela da “Brais”. Na época, surgiram muitos depoimentos:
“Rapaz, você não está entendendo… é o PIB [Produto Interno Bruto] de Campina Grande que está nisso aí. Comerciantes, servidores públicos, aposentados…”,
diz uma pessoa que investiu R$ 50 mil na Braiscompany e não quer se identificar.
“Eu conheço gente que vendeu apartamento e colocou a grana lá. Comerciante que colocou as finanças da empresa.”
Outro investidor, que saiu de Campina Grande há 8 anos para viver em Portugal, afirma ter transferido R$ 230 mil para o negócio.
Segundo ele, esse valor representa todas as suas economias acumuladas nesse tempo trabalhando como agente de viagens na Europa:
“Tudo o que eu construí na minha vida”.
A Braiscompany parecia conseguir criar “um medo de ficar de fora” de uma grande oportunidade de ganhar dinheiro. Era como se ela fizesse com que as pessoas se sentissem burras excluídas se você não investissem. Porque seu amigo que entrou nessa comprou um [relógio] Rolex, um carro para a namorada.
Há também em seu perfil no Instagram muitas frases de autoajuda empresarial como “entrar para vencer”, “o medo é um paralisador”, “pare de pensar como pobre”, além de mensagens religiosas (“Deus é meu sócio”; “toda língua que se levantar contra mim Deus condenará”).
Paraibanos como o ator Lucas Veloso e o colunista social e influenciador Celino Neto também investiram na Braiscompany. Em conversa com o Portal F5 Online, Lucas, um dos primeiros a denunciar a Braiscompany nas redes sociais, disse que acredita que a justiça será feita no caso apenas quando os investidores que perderam dinheiro forem ressarcidos.
Em fevereiro de 2023, os donos da Braiscompany, Antônio Inácio da Silva Neto e Fabrícia Farias Campos, foram dados como foragidos. Logo a Polícia Federal fechou o cerco decretando a Operação Intitulada “Halving”, que contou com a participação do Ministério Público Federal. A prisão do casal de golpistas foi decretada pelo juiz Vinício Costa Vidor, da 4ª Vara da Justiça Federal em Campina Grande, que logo mandou avisar a Interpol.
Em março do ano passado, a Justiça do Trabalho da Paraíba determinou o bloqueio imediato de valores existentes em nome da empresa Braiscompany. De acordo com a decisão do juiz Francisco de Assis Barbosa Junior, da 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande, um funcionário da Braiscompany estaria sem receber corretamente o salário desde janeiro do mesmo ano.
Em agosto do ano passado, a 4ª Vara da Justiça Federal da Paraíba, através do juiz Vinícius Costa Vidor, recebeu a primeira denúncia do Ministério Público Federal (MPF) decorrente das operações Halving, Select e Select II, deflagradas contra Antônio Inácio da Silva Neto e Fabrícia Farias, além de outras 11 pessoas que, assim como o casal, estão sendo investigadas por envolvimento no esquema da pirâmide financeira.
Com o recebimento da denúncia, os 13 denunciados tornaram-se réus no processo penal. As audiências de instrução foram agendadas para as datas de 13 a 24 de novembro.
No final de 2023, os proprietários da Braiscompany, Antônio Ais Neto e Fabrícia Ais, tiveram uma mansão avaliada em R$ 2,8 milhões e uma casa avaliada em R$ 150 mil leiloadas. O leilão virtual. Os bens foram confiscados devido a acusações do golpe.
Em fevereiro deste ano, a Polícia Federal recebeu a extradição de Victor Hugo Learth, braço direito de Antônio Neto Ais, dono da Braiscompany. Learth é apontado como um dos operadores da lavagem de dinheiro no esquema com criptomoedas.
Ele chegou a ser preso em 19 de junho do ano passado, em Puerto Iguazú, Argentina, 11 dias depois do alerta vermelho emitido pela Interpol. Esse alerta é para a prisão com intenção de extradição, concretizada após os trâmites entre as justiças argentina e brasileira.
O líder do esquema de pirâmide financeira da Braiscompany, Antônio Inácio Silva Neto, de 36 anos, foi preso numa no dia 29 de fevereiro, na cidade de Escobar, na Argentina, encerrando uma caçada que se estendia desde que Neto se tornou alvo de mandados de prisão da Justiça Federal em Campina Grande, na Paraíba.
Segundo a Polícia Federal, a fuga de Antônio Neto para a Argentina se deu pelo Paraguai, onde ingressou através de Puerto Iguazú. Ainda segundo a PF, havia planos de escapar para Dubai com os milhões obtidos ilegalmente. Durante seu período como foragido, Neto viveu em diferentes áreas dos subúrbios e da cidade de Buenos Aires, alternando entre Palermo, San Fernando, San Isidro, Nordelta e La Plata.
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A operação para capturar o golpista envolveu o monitoramento de suas atividades cotidianas, incluindo compras em supermercados e visitas a academias. Utilizando drones, a Interpol conseguiu identificar o veículo utilizado pela família brasileira e, finalmente, interceptá-los quando tentavam escapar.
O Portal F5 Online conversou com o advogado Artêmio Picanço, que acompanha o caso desde o início. O casal vivia em trânsito na Argentina, utilizando o dinheiro das vítimas e passaportes falsos para evitar a captura. Antônio utilizava o passaporte do cunhado de forma indevida, enquanto Fabrícia se valia do documento da irmã.
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Segundo o Ministério Público Federal, o casal Braiscompany desviou cerca de R$ 1,11 bilhão e fez mais de 20 mil clientes como vítimas. Segundo informações repassadas pela PF em coletiva, na semana em que o casal foi preso, eles estavam usando criptomoedas para se manterem na Argentina durante o ano que estiveram foragidos.
A sentença que condenou o grupo estima que, até o momento, 16% do R$ 1,1 bilhão movimentado pelo esquema (R$ 176 milhões) foram desviados diretamente em favor do casal.
O “casal BraisCompany” já havia sido condenado pela Justiça, com Antônio recebendo uma pena de 88 anos e 7 meses de prisão, e Fabrícia, 61 anos e 11 meses.
Além disso, outros nove réus também foram condenados, com um montante a ser reparado de R$ 277 milhões em danos patrimoniais e R$ 100 milhões em danos coletivos.
Atualmente, há dois processos desmembrados ainda sem julgamento, sendo um em fase de alegações finais e o outro aguardando a apresentação da resposta à acusação pela defesa do réu.
A investigação conjunta entre o MPF e a Polícia Federal continua em andamento, especialmente com a análise do imenso volume de material apreendido e de informações obtidas a partir de decisões judiciais autorizativas do afastamento do sigilo dos dados bancários, financeiros e telemáticos de dezenas de investigados, os quais poderão resultar na propositura de novas denúncias.