Foi marcada para hoje a sessão em que o STF apreciará um tema de manifesta repercussão geral (ARE nº 843982). O Tribunal julgará se as alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 no âmbito da improbidade administrativa poderão se aplicadas retroativamente.
A par de uma nova disciplina jurídica, a LIA passou a exigir o dolo como elemento para a caracterização das condutas tipificadas nos seus art. 9º, 10 e 11º da LIA, assim como fixou o instituto da prescrição (geral e intercorrente).
Não há dúvida que o Direito Penal brasileiro abriga o postulado da retroatividade mais benéfica, concebido como verdadeira concretização do primado da segurança jurídica nas relações punitivas, a teor do art. 5, XL, CF (A lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu).
Ademais, também não se desconhece a legitimidade na aplicação dos princípios do direito penal ao direito administrativo sancionador, seja na doutrina, seja na jurisprudência. Ambos incorporam direitos e garantias fundamentais que visam a proteção dos administrados em face da atuação punitiva do Estado, cuja inobservância dessas regras comprometem a aplicação do conjunto de sanções.
Fábio Medina Osório ensina que “há cláusulas constitucionais que dominam tanto o Direito Penal, quanto o Direito Administrativo Punitivo. Tais cláusulas, se bem que veiculem conteúdos distintos, também veiculam conteúdos mínimos obrigatórios, onde repousa a ideia de unidade mínima a vincular garantias constitucionais básicas aos acusados em geral”.
Essa matéria também já foi objeto de diversas manifestações do STJ, reconhecendo a retroatividade das normas mais benéficas no direito administrativo sancionador (REsp1153083/MT (Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 19/11/2014), AgInt no RMS 65486/RO (Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 26/08/2021).
Em parecer do Subprocurador-Geral da República oferecido no Recurso Especial nº 1.966.002/SP (2ª Turma), o MPF se manifestou favoravelmente à aplicação retroativa da norma mais favorável (Parecer nº 12.187/2021, de 29/10/20210): “A persecução por ato de improbidade administrativa se insere no âmbito do Direito Sancionador e, por coerência sistêmica, a exemplo do que ocorre com os mecanismos de persecução penal, deve nortear-se pelo postulado da retroatividade da norma mais favorável ao réu, nos termos do art. 5º, XL, da CF. Os princípios gerais devem orientar a aplicação do direito de forma horizontal, em suas diversas searas. Se a própria Constituição assegura a retroatividade da lei mais benéfica no Direito Penal – ramo mais rigoroso do ordenamento jurídico –, não é razoável limitá-la e deixar de aplicá-la quanto aos instrumentos de persecução por atos de improbidade, os quais se também encartam no Direito Sancionador. Essa Corte Superior, a propósito, já adotou o critério da retroatividade da norma mais benéfica em âmbito diverso do Direito Penal”.
Outra importante modificação criada pela Lei 14.230/2021 diz respeito a prescrição da pretensão sancionatória prevista no art. 23, §5º: a) Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou apermanência; b) § 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.
Observa-se que o prazo prescricional passou a ser de 8 anos contados do fato. Já a prescrição intercorrente conta-se pela metade, a partir de cada marco interruptivo. A prescrição da pretensão sancionatória constitui instituto de direito material e de ordem pública, podendo ser reconhecida e decretada de ofício pelo juiz ou Tribunal. Assim, a exemplo do que ocorre no âmbito penal, a prescrição interfere diretamente na pretensão punitiva do Estado, acarretando a extinção da punibilidade.
Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, acreditamos que o STF reconheça a retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa, assegurando maior grau de certeza na aplicação do direito e firmando um novo parâmetro entre a administração e os agentes públicos.