JULIA CHAIB E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A diretora-técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, negou irregularidades no contrato para a venda da vacina indiana Covaxin, mas admitiu que não houve nenhuma preocupação do Ministério da Saúde durante a negociação com o calote milionário que outra empresa do grupo havia dado no governo federal.
A representante da empresa também disse à CPI da Covid que era “mentirosa” a ata de uma reunião do Ministério da Saúde, que conteria uma proposta de US$ 10 por dose da vacina, inferior ao valor que acabou constando no contrato.
Em um dos momentos mais tensos, ela contradisse sua própria fala a respeito da polêmica envolvendo as faturas para o pagamento da Covaxin, apresentando uma versão alinhada ao Palácio do Planalto.
O depoimento de Emanuela foi retomado na manhã desta quarta-feira (14), após uma sessão tumultuada e marcada por um imbróglio jurídico no dia anterior.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), decidiu na ocasião suspender a sessão, após a depoente, amparada por habeas corpus, se recusar a responder mesmo questões simples, como seu vínculo empregatício com a Precisa.
Aziz ingressou com embargo junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para esclarecer os limites do direito ao silêncio.
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, atendeu parcialmente a dois embargos (recursos), um apresentado pela CPI e outro pela defesa de Emanuela.
Pela decisão de Fux, cabe ao depoente decidir se a resposta a uma pergunta poderá incriminá-lo, mantendo, assim, o silêncio.
O magistrado, no entanto, diz que nenhum direito é absoluto e que cabe à CPI avaliar se o depoente abusa dessa prerrogativa, afirmando que a comissão tem os instrumentos para adotar providências.
Aziz chegou a retomar a sessão na noite de terça, mas a suspendeu depois de a depoente afirmar estar “exausta”.
Na retomada da sessão nesta quarta, Emanuela mudou radicalmente seu comportamento e respondeu todas as perguntas feitas pelos senadores do colegiado.
Ela afirmou que o Ministério da Saúde não questionou a Precisa sobre o fato de a empresa Global, que faz parte do mesmo grupo societário da companhia, ser acusada de ter dado calote na pasta.
A Global recebeu em 2017 antecipadamente R$ 20 milhões por medicamentos de doenças raras que nunca foram entregues quando o ministro era o atual deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. O presidente da empresa, Francisco Emerson Maximiano, conhecido como Max, também é sócio da Precisa.
Após investigação, o Ministério Público Federal denunciou a Global e Barros por improbidade administrativa.
Em resposta a questionamento do senador Humberto Costa (PT-PE), Emanuela afirmou que o Ministério da Saúde não questionou a Precisa a respeito da acusação feita à empresa sócia durante negociação para a compra da Covaxin.
“O Ministério da Saúde em nenhum momento invocou a discussão da possibilidade de uma empresa envolvida numa fraude contra o ministério ser intermediária da aquisição de um contrato de R$ 1,6 bilhão”, ressaltou o senador.
O petista também perguntou se a Bharat Biotech, laboratório indiano que produz a Covaxin, tinha conhecimento a respeito de investigação sobre a Precisa ter superfaturado o valor de testes em venda ao Distrito Federal.
Emanuela respondeu que a farmacêutica indiana conhecia o histórico da empresa. “Sempre fomos transparentes.”
Além disso, ela alegou que os funcionários da Precisa tinham experiência na compra de vacinas e isso credenciava a companhia a fazer o negócio, embora a empresa em si nunca antes tivesse adquirido imunizantes.
Em outro momento da sessão, a depoente afirmou que o valor de US$ 15 estabelecido para a compra da Covaxin é determinado pela Bharat Biotech e não pela empresa que ela representa e intermediou o contrato com a farmacêutica indiana.
Emanuela relatou ter inclusive buscado negociar junto à Bharat para que o valor ofertado ao Ministério da Saúde ficasse abaixo de US$ 10, mas disse que não foi possível.
A representante da Precisa negou que tivesse apresentado uma oferta para o Ministério da Saúde com o preço de US$ 10 por dose da vacina da Covaxin. O contrato final previa preço de US$ 15 por dose.
Os senadores questionaram a depoente porque receberam uma ata de reunião do Ministério da Saúde com representantes da Precisa. Nessa reunião, com a presença do então secretário-executivo Elcio Franco e outras autoridades da pasta, teria sido feita a proposta de US$ 10, valor que poderia ser reduzido se a quantidade adquirida fosse considerável.
“Eu não sei por que colocaram que o produto custaria US$ 10, porque o produto não foi ofertado. Existe sim uma expectativa que esse valor fosse de menos de US$ 10”, afirmou.
Emanuela também foi questionada sobre a polêmica envolvendo as faturas internacionais para a importação da Covaxin. Nesse ponto, ela chegou a contradizer uma fala anterior sua e alinhou sua fala com a do governo Bolsonaro.
As suspeitas a respeito das faturas surgiram após depoimento à CPI do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda.
Eles apresentaram duas faturas que previam pagamento antecipado pelas vacinas, e em que havia problemas no quantitativo de doses que seriam entregues inicialmente e também que o pagamento seria feito por meio de uma terceira empresa, a Madison, localizada em um paraíso fiscal.
Em entrevista no Palácio do Planalto, o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, afirmou que os documentos apresentados eram falsos. Disse que a primeira fatura foi apresentada apenas no dia 22 de março deste ano pela Precisa.
A própria Emanuela havia afirmado em sessão no Senado que a primeira fatura havia sido encaminhada no dia 18, reconhecendo portanto que a versão apresentada pelos irmãos Miranda seria verdadeira.
“Quinta-feira [dia 18 de março] passada fizemos o pedido, encaminhamos as invoices, alguns documentos. Temos alguns documentos que precisam ser retransmitidos ao pessoal do Dimp [Divisão de Importação]”, afirmou na sessão do Senado, em vídeo que foi reproduzido nesta quarta-feira pela CPI.
Ao ser questionada sobre o fato, a representante da Precisa afirmou que “não estava sendo detalhista” na fala e afirmou que encaminhou o primeiro invoice apenas no dia 22 de março.
Em depoimento à CPI, o consultor do Ministério da Saúde William Santana confirmou que havia tido contato com o primeiro invoice no dia 18 de março.
Emanuela afirmou que consegue provar sua nova versão e que concorda com a realização de uma acareação com Santana e com o servidor Luis Ricardo.
Senadores, no entanto, levantaram dúvidas sobre a versão apresentada pela depoente.
“O seu depoimento, para mim, que analisei o contrato da Covaxin, ele não acrescenta nada quanto à materialidade. Para mim está comprovado que é um contrato fraudulento, superfaturado, de um esquema de propina dentro do Ministério da Saúde”, disse Simone Tebet (MDB-MS).
A representante da Precisa também foi questionada a respeito de um repasse de R$ 1 milhão feito pela empresa para a Câmara de Comércio Índia-Brasil, às vésperas da assinatura do contrato para a venda da Covaxin. A transferência foi divulgada pelo jornal O Globo.
Emanuela, no entanto, afirmou não saber o motivo desse repasse.
A diretora da Precisa relatou que os primeiros contatos com o laboratório indiano foram feitos no meio do ano passado. “Em junho de 2020 foi nosso primeiro contato com eles. A vacina ainda estava em fase 2. Foi um contato embrionário.”
A primeira reunião que a Precisa teve com o Ministério da Saúde foi em 3 de novembro. Segundo Emanuela, foram 114 dias de negociação até que o contrato entre o governo e a empresa fosse assinado, em 25 de fevereiro de 2021.
Emanuela também afirmou que a rapidez na negociação com a Precisa se deu porque a empresa teria aceitado todas as condições propostas pelo Ministério da Saúde.
“Aceitamos 100% da minuta padrão que foi enviada pela conjur [consultoria jurídica]. Não pedimos nenhuma alteração de cláusula, nenhuma alteração de prazo. Foi por isso que esse processo teve celeridade maior.”
Presente na sessão, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) interrompeu senadores para fazer a defesa do governo. Flávio não é titular da comissão e costuma comparecer ao colegiado em depoimentos considerados mais “delicados” ao governo do pai.
Tebet afirmou que se debruçou sobre o contrato ao longo do final de semana e que havia concluído se tratar de um acordo “fraudulento” fechado para que houvesse “pagamento de propina”.
“Sem um centavo de dinheiro público”, interrompeu Flávio nesse momento.
Mais cedo o senador já havia reclamado da postura de Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.
“[Quer] induzir o depoente a falar o que ele quer. Que coisa chata”, afirmou Flávio.
Senadores que compõem o colegiado reclamam que Flávio comparece em dias de testemunhas-chave para os trabalhos e costuma encarar o depoente. Parlamentares veem na atitude uma forma de o filho de Bolsonaro intimidar quem depõe na CPI.
Também nesta quarta-feira estava previsto o depoimento do sócio-diretor da Precisa, Francisco Maximiano. Aziz, no entanto, afirmou que a oitiva de Emanuela estava se alongando e por isso não seria possível realizar duas sessões no mesmo dia. O novo depoimento de Maximiano deve ser realizado apenas em agosto.