Para as pesquisadoras Polímnia Niágara e Sofia Araujo de Oliveira, no livro “Alimentação e Turismo: criatividade, experiência e patrimônio cultural”, o ato de se alimentar não se refere apenas ao consumo de elementos do meio ambiente necessários para a sobrevivência, mas as variedades na forma de se alimentar, os tipos de alimentação, o modo de preparo dos elementos e o contexto ao qual a refeição é feita, que evidenciam a complexidade da relação entre cultura, identidade e alimentação, tornando a comida um meio de produzir, reforçar e fazer circular sentidos e valores de uma sociedade.
De acordo com as pesquisadoras, João Pessoa, como capital paraibana e um dos polos econômicos do estado recebeu influências gastronômicas não só do Litoral, mas também do Brejo e do Sertão. A tapioca, o cuscuz, queijo de coalho, carne de sol, rubacão, arrumadinho, queijo manteiga, pamonha, canjica, mungunzá, arroz de leite, buchada de bode, milho cozido ou assado, carne de bode e cachaça, ensopado de caranguejo, galinha cabidela e paçoca são alguns dos elementos populares referência citados sobre o que é identificado na gastronomia regional local.
A cozinha da avó, o restaurante cinco estrelas, o bistrô, o mercado público, o bar na praia…. ambientes onde a culinária do dia a dia e a gastronomia se unem em reflexo do que é cultural, tradicional, agregador e acolhedor, popular ou da mais alta gastronomia.
Há nove anos o chef Paulo Ricardo Nunes mantém em Manaíra, em João Pessoa, o Lucci Restô, restaurante de cozinha artesanal franco italiana que oferece menu degustação ou la carte.
O negócio, com ares dos bistrôs familiares da Europa, tem a proposta de não ter cara de restaurante. “A ideia é que o cliente aqui se sinta numa casa, um lugar intimista de poucas pessoas pra você curtir a gastronomia como ponto principal do local”, conta o chef Paulo, autodidata.
“João Pessoa hoje é celeiro gastronômico campeão do Nordeste. Vários clientes inclusive de Recife, que sempre foi um polo gastronômico muito tradicional, antigo até, de longas datas. Há 20 anos por exemplo, Recife ganhava de João pessoa de goleada. Hoje os recifenses que vêm aqui acham que João Pessoa está melhor servida do que a própria Recife. E também de moradores que vêm de outra cidade. João Pessoa hoje tá atraindo muita gente pra morar aqui de fora, ficam impressionados com a quantidade e a qualidade gastronômica da nossa cidade. Pra o pessoal do eixo sul eles inclusive se impressionam muito o quanto é barato se comer bem aqui”.
Para o gastrônomo e professor Rogério Paodjuenas, a gastronomia em João Pessoa é bem desenvolvida devido a cidade carregar como aspecto cultural o “hábito de consumir alimentos fora de casa. Este fator proporcionou e obrigou os restaurantes a desenvolver-se de maneira a satisfazer, antes dos turistas a população local”.
No Lucci Restô, cada prato une as técnicas gastronômicas francesas e italianas aos detalhes da gastronomia nordestina. “Nossa gastronomia é muito vasta e ela é perfeitamente apreciada por todas as culturas. Esses toques nordestinos que estão presentes em nossos pratos são decisivos para tornar a nossa culinária muito exclusiva para nossos clientes”.
“No final das contas você viaja pra conhecer locais, comer e beber. Isso vai fazer parte da sua percepção numa viagem. João Pessoa tá muito bem servida nessa parte turística, desde os clientes de menor renda até os clientes de mais renda, aqui tem muita disponibilidade. A gastronomia é essencial pra a atração turística. Eu cito aqui o caso dos turistas principalmente do sul do país que são fascinados pelos nossos frutos do mar, pelos nossos peixes, principalmente camarões, lagostas, então é essencial a gastronomia existir como atrativo turístico. Você pega o exemplo do Mangai, praticamente se um turista vier a João Pessoa ele vai uma única vez numa restaurante certamente será lá. Pra você ver o quanto a identidade gastronômica é importante pra atração turística”, comenta o chef do restaurante, fundado por Lucivanne, esposa de Paulo.
Em Lucci, a chef Pâtissier é Lucivanne, que faz as sobremesas e doces dos menus, além da produção de bolos e bem-casados para encomenda. “Eu sou o chef da parte de comidas e ela da parte de doces. Então aqui é um casal gastronômico”, brinca Paulo Ricardo Nunes, sommelier de vinhos.
No espaço, as técnicas da cozinha francesa e italiana são realizadas de maneira artesanal, em fogão caseiro, ressalta o chef.
Ente os sabores de João Pessoa, que completa 438 anos neste sábado (5), a riqueza da gastronomia, as influências culturais e a culinária como elemento de identidade e tradição se dividem entre diferentes nichos e formas de atuação.
Idaiana Xandra tem 38 anos, é natural de Pernambuco, mas mora na capital paraibana há cerca de oito anos, praticando culinária há sete.
O início foi vendendo salada de frutas de forma informal em frente a uma empresa de telemarketing da capital. “Uma coisa bem simples, uma mesinha de plástico, isopor. O pessoal procurava muito. Foi de lá que surgiu a ideia de vender outras coisas, tapioca, trabalhar com outros tipos de alimentos”.
Ela afirma que o estímulo para entrar no ramo da gastronomia/culinária partiu do marido e a tapioca é o carro chefe do negócio, a Tapiocaria da Vovó Lita, localizada dentro da feira de artesanato vila turística, na orla de Tambaú. Outro prato que faz bastante sucesso é o cuscuz recheado, clássico da mesa paraibana. Na tapiocaria, ele vem acrescentado de vinagrete. Sopas também são bastante apreciadas.
O nome da “Tapiocaria da Vovó Lita” é em homenagem a tia do esposo de Idaiana, uma senhora de 82 anos que é inspiração para a família. “Uma família muito humilde. Uma das irmãs mais velhas, saiu de casa muito nova pra trabalhar e estudar, se formou. Ela é enfermeira, foi secretária de saúde. Sempre ajudando a família, até hoje ter o patrimônio que ela tem. Pela história de vida dela, quisemos homenagear. Uma pessoa que batalhou muito e conseguiu alcançar os objetivos dela. Um deles ajudar a família e colocá-los numa situação melhor do que viviam antigamente”, conta Idaiana.