“Acredito que a gente está num momento de transição do mercado, digo isso pra evitar a palavra ‘retomada’, porque sempre que falamos em cinema brasileiro vem junto a tal ‘retomada’, o que na minha visão é errado, pois o cinema brasileiro já é um produto consolidado com gêneros, atores e diretores reconhecidos pelo público. Ele não precisa mais ser retomado. Óbvio que ainda existe um grande espaço a ser conquistado para atrairmos ainda mais espectadores, por isso acredito que estamos num momento de transição”, afirma o cineasta Pedro Coutinho, em uma entrevista exclusiva ao portal F5 Online.
“Tivemos um governo federal, anterior ao atual, que foi nefasto para área cultural, em geral, e, consequentemente, para o audiovisual também, destruindo e atrasando uma série de políticas públicas que faziam a nossa indústria crescer, cada ano mais, e ser um importante marcador do PIB nacional. Com o total esgarçamento e inoperabilidade da Ancine, entre 2018 e 2022, andamos dezenas de casas para trás, principalmente nas formas de financiamento e distribuição do nosso produto audiovisual. Ao mesmo tempo, nessa mesma época, tivemos a sorte de ter o boom de investimento dos streamings aqui no Brasil, o que ajudou muito o nosso mercado. Hoje em dia a Ancine e o investimento federal está sendo retomado, só que aos poucos, pois qualquer reconstrução sempre é árdua. E os streamings perceberam que também não conseguem investir a quantidade de dinheiro que colocaram alguns anos atrás, por isso estamos num momento de transição, onde o estado está voltando a fazer parte da nossa indústria – como em qualquer outra – e os streamings ainda achando o seu modelo ideal de atuação no Brasil”, reflete o diretor e roteirista de cinema e TV.
Formado em comunicação social pela PUC-Rio e com mestrado em cinema pela Columbia University, em Nova York, Coutinho crava seu lugar de referência no cenário audiovisual brasileiro com um repertório diversificado que inclui longas, curtas, séries e campanhas publicitárias.
Com narrativas sensíveis e inovadoras que transitam entre o drama e a comédia, Pedro lança em 2018 “Todas As Razões Para Esquecer”, seu primeiro longa-metragem, como diretor e roteirista. O filme foi indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de Melhor longa-metragem de comédia. A obra narra a jornada de Antônio (interpretado por Johnny Massaro), um jovem tentando superar o término de um relacionamento.
Antes disso, Pedro Coutinho já havia se destacado com curtas-metragens como “O Nome do Gato” (2009) e “O Jogo” (2013), ambos selecionados para mais de 70 festivais em países como Brasil, EUA, Inglaterra, Espanha, e Índia, com premiações em diversas categorias.
Ele já dirigiu comerciais para marcas como Coca-Cola, McDonald’s e Heineken, além de dirigir e escrever séries para Amazon, GloboPlay, TBS e Multishow.
Também colaborou no roteiro do longa-metragem “O Homem Perfeito” (2018) e esteve nos núcleos criativos das produtoras O2 Filmes e Damasco Filmes. Durante a pandemia, Pedro Coutinho escreveu e dirigiu remotamente o projeto “Call” para o Instituto Maria da Penha. O filme fala sobre violência doméstica durante o isolamento.
“Minha trajetória se iniciou, basicamente, num primeiro estágio como assistente de direção na Conspiração Filmes, no começo dos anos 2000. Foi o meu primeiro contato com o universo de produção de filmes – nesse caso, específico, era uma publicidade – e estar naquele ambiente, naquele momento abriu os meus para poder trabalhar no audiovisual. Sempre gostei de contar história e de cinema – era muito cinéfilo na adolescência -, mas vendo de fato como era trabalhar numa filmagem, o dia-a-dia para viabilizar uma produção, fez eu ter a certeza que era essa a profissão que deveria seguir”, relembra Pedro.
Para o diretor, o cinema significa e representa muitas coisas, desde o seu ganha pão, até uma fuga de dias difíceis, mas sobretudo o dia-a-dia.
“A partir momento que estudei dramaturgia, jornada do herói, divisão de atos, sequências, entre outras formas de se criar uma história para a tela, a minha forma de enxergar o mundo, à priori, vem sempre da perspectiva de se pensar em ideias e formas de como contar histórias interessantes visualmente e viáveis também, por isso acredito que o cinema representa e significa o meu cotidiano.”
Carioca, Pedro Coutinho nasceu no Rio e com 1 ano de idade foi morar em João Pessoa, capital da Paraíba, retornando aos 12 para o Rio.
“Hoje em dia me considero carioca, paraibano e paulistano, pois já moro em São Paulo há mais de dez anos. Mas além de ter a Paraíba no meu sangue, pois a família toda do meu pai é paraibana, a Paraíba faz parte do meu dia-a-dia, já que pai, irmão, sobrinho e grandes amigos ainda moram em João Pessoa, fora que volta e meia me pego falando “Oxi”, “Oxi, rapaz” no meio de um diálogo. Tenho um amor profundo pela cidade, pela cultura, pela comida, pelas praias. Tento ir pelo menos uma vez por ano aí.”
“O que mais me inspira na Paraíba são os lugares”, declara o roteirista.
“O estado tem uma área litorânea muito rica, com praias lindas, ao mesmo tempo tem agreste, sertão. O que é o Lajedo de Pai Mateus visualmente? É algo impressionante e maravilhoso, ao mesmo tempo! Não é a toa que grandes produções, tanto da Globo quanto de streamings, escolhem a Paraíba como local para contar suas histórias. E isso vem de muito tempo. Lembro de ouvir o Walter Lima Jr. falar sobre “Menino de Engenho” e quão foi importante pra ele filmar na Paraíba. Tenho um desejo muito grande de filmar projetos meus aí”, afirma Pedro Coutinho. “Gosto muito do Torquato Joel”, destaca, referindo-se ao cineasta paraibano nascido em São Gonçalo.
“Inclusive, tenho bastante interesse em futuramente ajudar a fomentar mais o cinema paraibano, seja com laboratórios, ajudando na formação, enfim é algo que faz parte do meu radar. Também sei que o Festival Aruanda está crescendo bastante, a cada ano, e quero tentar estar presente nas próximas edições”, comenta Coutinho.
“Eu tenho alguns projetos em captação, dois inclusive adoraria filmar na Paraíba, ando até pensando na possibilidade de ter uma produtora local associada, em um deles. Mas, por enquanto, é difícil adiantar qualquer coisa, pois ainda não há nada de concreto. Tomara que eles aconteçam logo”, revela.
Eu não perdi a oportunidade de perguntar ao cineasta Pedro Coutinho indicações de filmes e séries que lhe chamaram a atenção e lhe tocaram, recentemente, ao longo do último ano. O diretor listou seis obras.
“Mas não são ordem de preferência, nem nada, são apenas filmes ou séries que foram surgindo na minha memória ao pensar nessa resposta”, pontou.
“Além de ter uma roteiro maravilhoso, com atuações magistrais, principalmente da Fernanda Torres, a direção me impressionou demais, pelo controle narrativo e dramáticos em todas as cenas, sabendo criar as emoções e sensações exatas para o filme ter o impacto que está tendo. Com certeza um dos melhores filmes brasileiros que vi nos últimos tempos”.
“Essa série me surpreendeu por trazer personagens extremamente complexos, misturando humor sarcástico com drama de uma maneira única, dinâmica e inteligente”.
“Apesar de ter um terceiro ato totalmente bizarro, que me tirou do filme, A Substância consegue tocar em questões sensíveis atuais de uma maneira inovadora, com uma direção arrojada e até surpreendente em vários momentos”.
“Esse filme tem uma mistura de gêneros meio confusa, mas, no final das contas, se passa no nordeste, tem um Fábio Assunção incrível e o olhar sempre sensível e sensual do Karim, então vale muito a pena assistir”.
“Confesso que não dava nada por esse filme, por não gostar nem um pouco de musicais, mas Jacques Audiard é um diretor brilhante. Ele conseguiu me fazer pensar durante dias sobre esse filme”.
“Sei que a série já existe há alguns anos, mas só parei pra assistir inteira em 2024. Foi surpreendente, pra mim, porque ela não segue um padrão normal de storytelling, ela se preocupa muito mais em criar sensações e laços emocionais entre os personagens e o espectador do que estabelecer um começo, meio e fim”.