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De Gusttavo Lima a funk e futebol, fundos apostam em entretenimento
15/06/2021 / 08:20
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JÚLIA MOURA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A crise na classe artística devido à pandemia de Covid-19, bem como a aposta em um boom do setor pós-pandemia, têm impulsionado uma modalidade de investimento pouco conhecida no Brasil: a comercialização de direitos autorais de compositores e de datas de shows de grandes cantores.

A opção ficou conhecida mundialmente após o cantor e compositor Bob Dylan vender todas as suas mais de 600 canções para a Universal em dezembro, por cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão).

No Brasil, até então, o movimento era o inverso. Hoje cobiçados por fundos, Gilberto Gil e Caetano Veloso, por exemplo, recuperaram recentemente alguns de seus catálogos junto a editoras musicais, empresas que editam, comercializam e promovem partituras e letras de canções. Roberto Carlos e Erasmo Carlos estão na Justiça para também reaver a posse de músicas do início de suas carreiras.

Com a falta de shows, porém, artistas voltaram a comercializar seus direitos. Isso porque a receita diária com reprodução de músicas é menor, já que a maior parte do valor fica com a gravadora.

Estima-se que o sertanejo Gusttavo Lima vendeu por R$ 100 milhões a sua agenda para 192 apresentações quando grandes shows voltarem a ser permitidos no Brasil. A compradora foi a gestora Contea Capital, que lançou em maio um fundo voltado à comercialização de datas de shows de grandes artistas.

Ou seja, para agendar uma apresentação com Lima no pós-pandemia, o contratante terá que negociar com o fundo e não com o cantor.

“Com a pandemia, a demanda represada é enorme. E estudos apontam uma expectativa muito forte. Pessoas querem voltar a ir ao cinema, a shows e a eventos”, diz Paulo Marins, sócio da Contea Capital.

O fundo com as datas de shows de Gusttavo Lima é um Fidc (fundo de investimento em direitos creditórios) não-padronizado, um instrumento capaz de adquirir diversos tipos de direitos creditórios com maior risco. Os padronizados comercializam títulos de crédito convencionais.

Geralmente, os Fidcs comercializam créditos que uma empresa tem a receber, como precatórios ou recebíveis de cartão de crédito. Os investidores que adquirem as cotas desses fundos ficam indiretamente expostos aos retornos e riscos de tais recebíveis.
“Há o risco de desvalorização do artista”, diz Marins.

Por serem mais arriscados, os Fidcs não-padronizados são restritos a investidores profissionais, ou seja, pessoas físicas que tenham mais de R$ 10 milhões investidos, instituições financeiras, fundos, profissionais autorizados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), entre outros.

O investimento mínimo de um Fidc não-padronizado é R$ 1 milhão e de um Fidc comum é R$ 25 mil. Este último é restrito a investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão investido. Cada Fidc tem sua política de investimento e recebíveis, mas é comum que haja um retorno mensal.

A gestora já comprou a agenda de outros dois grandes artistas dos ramos sertanejo e eletrônico, mas ainda não pode revelar o negócio por motivos contratuais. Há outros três músicos em negociação.

“O segmento de entretenimento compreende várias possibilidades de investimento. Pretendemos diversificar os tipos de ativos do fundo”, afirma Marins. Direitos autorais de compositores são uma das opções à vista.

A Contea também planeja lançar outros dois fundos de investimentos alternativos: direitos creditórios de jogadores de futebol e de um clube de futebol.

“Com a redução da taxa de juros, a busca por investimentos alternativos cresceu muito. E esses fundos têm, além do apelo financeiro, um apelo emotivo muito grande”, diz o gestor.
Os compositores de músicas podem ceder (vender) ou licenciar (emprestar por um tempo) seus direitos creditórios. Como pagamento, recebem, de uma vez, uma projeção de todo o valor a ser recebido descontado.

Segundo o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), responsável pelo recolhimento dos créditos no Brasil, em 2020 foram arrecadados R$ 905 milhões, 19% menos que o R$ 1,12 bilhão de 2019.

No Brasil, além de Fidcs, são utilizadas CCBs (Cédula de Crédito Bancário) para comprar direitos autorais de artistas e repassá-los a investidores. “Trata-se o direito autoral como um recebível comum, como um produto. Você pega o faturamento esperado e desconta o recebível”, diz Carlos Duarte, sócio-fundador da Norte Invest.

CCBs são títulos de crédito que podem ser emitidos por empresas ou pessoas físicas, com ou sem garantia, por meio de um banco. A remuneração da CCB pode ser prefixada, ou seguir a taxa de juros e a inflação. Geralmente, Fidcs que investem em direitos autorais fazem isso por meio de CCBs.

A Hurst Capital é uma das empresas que comercializa CCBs de compositores, de uma maneira semelhante a um crowdfunding de investimento. No momento, são três catálogos disponíveis para investimento: rap e funk, com rentabilidade de 15,35% ao ano, trilhas sonoras (14% ao ano) e sertanejo (14,65% ao ano), todas com investimento mínimo de R$ 10 mil, com pagamento único ao fim de 361 dias. “Muita coisa já acabou, temos grande procura”, diz Arthur Farache, presidente e fundador da Hurst.

No catálogo de funk e rap estão músicas como “Parado no Bailão” e “Chorar Pra Que”. No de sertanejo, estão hits como “Largado às Traças” e “Bebi Liguei”. No de trilhas sonoras, estão os temas de abertura do Globo Esporte e do Jornal Hoje e “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Segundo Farache, o catálogo com funk é o que rende mais por ser mais arriscado. “Quando a música de funk estoura, ela passa pouco tempo sendo muito ouvida e depois as reproduções caem”.

Em abril, a empresa comercializou as composições de Toquinho, com rentabilidade de 12% ao ano.

Ele conta que a Hurst é proativa na busca por artistas. “Costumamos comprar uma pequena parte [do portfólio] e fazer o licenciamento de outra parte da obra. Também depende da necessidade de caixa dos artistas. Há aqueles que querem investir na carreira e antecipar valores futuros para despesas hoje”. Nestes casos, os compositores abrem mão de partes maiores de seu repertório.

“Quem vende, abre mão de um direito importante. Para resguardo da obra, o melhor é só um administrador e o artista tende a administrar melhor”, diz Letícia Provedel, advogada especialista em direitos autorais e sócia do Souto Correa Advogados.

Ela acompanha artistas e fundos na negociação dos direitos e diz que a procura de fundos aumentou nos últimos tempos, mas que compositores ainda estão relutantes em abrir mão de seus direitos autorais.

No exterior, a comercialização dos direitos é mais comum. Algumas fatias de royalties são arrematados, muitas vezes, por meio de um leilão digital. É o caso da música “(I’ve Had) The Time of My Life” do filme Dirty Dancing.

Em dezembro de 2019, royalties dela foram comprados por US$ 493,5 mil (R$ 2,5 milhões), de um lance inicial de US$ 300 mil (R$ 1,5 milhão), na plataforma Royalty Exchange.

A projeção de rentabilidade anual é 8,11% e o comprador tem direito a receber os direitos autorais de reprodução por mais 70 anos após a morte do compositor que vendeu seu direito.

Na mesma plataforma, acessível a brasileiros, foram negociadas músicas de Jason Derulo, Pitbull, Camila Cabello, Nicki Minaj, Rihanna, Cage The Elephant e até a música de um comercial da rede de fast-food Taco Bell.

A Royalty Exchange também disponibiliza a comercialização via NFT, sigla para token não fungível, em inglês, que funciona como um certificado de propriedade ligado a um produto digital.

Outra forma de investir em músicas é por meio da ação do fundo de direitos autorais Hipgnosis, listada na Bolsa de Valores de Londres e cotada a 124 libras (R$ 895) cada uma. É possível comprá-la com conta em corretora estrangeira com acesso ao mercado de ações inglês.

Em seu catálogo, estão nomes como Debbie Harry e Chris Stein, da banda Blondie, The Chainsmokers, Kaiser Chiefs, Mark Ronson, Neil Young, Shakira e Timbaland.