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Liberar bermuda é só o começo da transformação digital, diz presidente da Oracle no Brasil
04/06/2021 / 18:26
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PAULA SOPRANA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nas reuniões de Rodrigo Galvão, 36, presidente da Oracle no Brasil, com clientes antes da pandemia, o pensamento predominante era de que o mundo digital nunca venceria o físico.

Quinze meses depois, ele diz que gestores, antes resistentes, estão 100% abertos para a migração rumo à nuvem (o que significa, muitas vezes, o abandono total de estruturas físicas como data centers) -e que a cultura corporativa das empresas, aos poucos, vai acompanhar essas transformações.

“As empresas perceberam que o mundo híbrido vai existir. Daqui para frente, o mundo vai ser híbrido”, afirma Galvão, referindo-se tanto ao modo de trabalhar como à própria estrutura das organizações.

A Oracle registrou aumento expressivo de receita com o disparo da demanda por serviços em nuvem, de grandes companhias de telecomunicações e mídia, como TIM e Globo, como de startups, que migraram as operações para essa modalidade.

Para o executivo, a mudança estrutural para o digital vai exigir uma “transformação humana”.

“De sete anos para cá, começamos a sentir esse negócio de transformação digital. O pessoal percebeu que isso demandava uma cultura diferente. Muitos se confundiram, acharam que era só mandar o pessoal ir de bermuda, mas não é isso que muda cultura”, diz.

Para ele, o caminho para essa adaptação envolve uma liderança de coparticipação, com liberdade para que funcionários testem outras áreas de atuação e proponham projetos à empresa, novos modelos de contratação, com entrevistas às cegas e programas de inclusão e capacitação, e a manutenção do clima de startup, com sala de chefe aberta aos funcionários, por exemplo.

PERGUNTA – A pandemia acelerou a digitalização de muitas companhias, isso passou pela contratação de mais serviço de nuvem?

RODRIGO GALVÃO – Nosso crescimento de plataforma de nuvem cresceu mais de três dígitos. Instituições que, no passado, não se viam em um mundo de cloud pública, hoje migram todos os projetos para a nuvem. Empresas que há 15 meses não tinham esse tipo de conversa, hoje estão 100% abertas.

Quando a empresa presta serviço pela nuvem, consegue crescer ou diminuir sua capacidade de processamento conforme a necessidade. Não tem mais aquele ativo de full capacity parado para atender a uma demanda que nunca sabe se vai chegar. Diminuindo o custo com o prédio que mantém o data center até o sistema operacional de aplicação, geramos verba para a empresa transformar custo em receita.

Qual o setor se destacou nessa procura?

RG – O de varejo, que foi muito afetado, talvez seja o mais aquecido. Muitos ficaram com 80%, 100% das lojas fechadas, e aí tiveram que fazer a transformação digital de cabo a rabo, desde a infraestrutura para rodar no ambiente de nuvem até a criação de uma plataforma de vendas pela internet. Muitos estavam no tradicional e foram para a nuvem. Só que não adianta migrar se não tiver a aplicação para rodar no mundo digital, ou seja, um canal de entrada do cliente na plataforma.

Muitas empresas estão migrando 100% da operação para a nuvem. O que isso significa na prática?

RG – Recentemente, fizemos talvez um dos maiores projetos da América Latina nesse sentido, o de migração de 100% dos data centers da Tim para nuvem, em uma parceria com a Microsoft. Para rodar uma empresa de telecomunicações, por exemplo, é preciso um prédio, talvez dois ou três, com ambiente 100% preparado para receber máquinas, redes de cabeamento e fibra que fazem a interconexão do data center. Quando um cliente entra no site da empresa ou compra um item pelo aplicativo, cada chamado busca a informação no data center. Quando o sistema migra para a nuvem, a empresa não tem mais aquele espaço físico, pode vendê-lo. A estrutura inteira vai para outra empresa, o que reduz custo e aumenta performance.

Esse cenário também vale para pequenas e médias?

RG – Aumentou também, porque vimos muitas startups crescerem e entregarem soluções úteis na pandemia, como as de logística, educação, saúde e as fintechs. Aquele conceito de banco que tínhamos no passado recente, por exemplo, já foi por água abaixo. As empresas perceberam que o mundo híbrido vai existir. Daqui para frente, o mundo vai ser híbrido.
Dentro da empresa, discutimos como vai ser isso em relação ao trabalho. Quem quiser ir para empresa trabalhar, vai; quem quiser trabalhar de casa, pode. O que vai mudar é que em uma reunião teremos pessoas de modo presencial e pessoas à distância.

Já trabalhavam com esse modelo antes?

RG – Sim. Grande parte dos colaboradores não têm mesa fixa, é chegar e sentar. Nem ramal temos. Honestamente, ainda não é uma cultura tão enraizada. As pessoas pensavam que se trabalhassem de casa não seria muito bom. Mas, agora, todos esses vieses somem. A grande questão é que não existe mudança sem uma transformação de cultura humana muito forte. Trabalhamos com a tecnologia diretamente, e o processo que vivemos nos últimos anos foi de mudança na forma de agir das pessoas.

Que mudanças foram essas? Foram da matriz?

RG – Posso falar do Brasil. A Oracle tem espírito de startup, temos autonomia para fazer o que quisermos, no sentido de cultura, de gente. O que se aplica no Brasil não necessariamente se aplica no México e no Chile. Quando assumi a presidência, há quatro anos, e faz 19 anos que estou na Oracle, pensei: conheço bem a empresa, o mercado e a tecnologia, e o que trouxe a gente até aqui não é o que vai nos levar para frente, por mais clichê que pareça. Somos uma empresa focada em venda de produto, e os projetos de migração para nuvem, por exemplo, são serviço. É outro tipo de cabeça. Nos aproximamos de startups, temos programa de aceleração, estamos próximos do estudante, que é desenvolvedor do presente e do futuro. Há coisas que o dinheiro não compra, posso colocar o dinheiro que for em um sistema de inovação aberta, mas se eu não tiver 2.000 funcionários querendo fazer parte desse ambiente, não funciona.

A contratação em tecnologia é um desafio no Brasil, com muitos profissionais optando por empresas que remuneram melhor no exterior, ainda mais com o trabalho remoto. Também não é diversa. Como as empresas podem contribuir para estimular esses profissionais?

RG – Ninguém ensina tecnologia na escola pública, infelizmente, e esse é o emprego do futuro. Alguns dados dizem que o emprego em 2035 vai ter mudado em 85% -e eu acredito nisso. Não necessariamente será preciso saber codificar, mas trabalhar no meio digital, com a cabeça digital, e essa não é uma realidade para todo mundo. A gente precisa gerar oportunidade para as pessoas, isso é inclusão. Temos projetos de capacitação interna e para fora.

Por exemplo, será que as melhores cabeças só estão nas melhores universidades? Porque, se for isso, estamos ferrados, porque nas empresas só teremos gente dos mesmos lugares -as que têm capacidade de chegar lá. Então, como fazemos isso? Tiramos a obrigatoriedade de contratação de determinadas universidades e fazemos contratação sem viés, entrevista às cegas. Temos projeto para capacitar jovens à distância, jovens que a gente tenta devolver para o mercado, para nossos clientes, e projeto em que chamamos talentos negros para conhecerem e se conectarem com a empresa.

Essas mudanças geraram impacto financeiro?

RG – O resultado é crescimento de trimestre sobre trimestre, é exponencial. As pessoas que vendem estão em sua melhor forma, e isso gera mais contratos, negociação. Acredito na liderança da coparticipação. É a base que leva a gente a um lugar diferente, não é o topo.

De sete anos para cá, começamos a sentir esse negócio de transformação digital. O pessoal percebeu que isso demandava uma cultura diferente, e vai demandar cada vez mais. Muitos se confundiram, acharam que era só mandar o pessoal ir de bermuda, mas não é isso que muda cultura.

Aqui a gente não tem mais salas, deixa tudo aberto, minha mesa é aberta. Significa que estou dizendo que o funcionário pode vir, sentar e falar sobre o que quiser.

Nos últimos 12 meses, as empresas correram uns cinco anos em processos reais de mudança. Diversas vezes, tive reuniões com presidentes de varejistas e lojas e a fala era “o mundo digital nunca vai ganhar do físico”. Esses paradigmas foram todos quebrados.

RAIO-X

Rodrigo Galvão, 36, é presidente da Oracle desde 2017. A empresa de tecnologia é a única em que trabalhou, iniciando sua carreira em 2002 como analista financeiro de contratos. Bacharel em administração pela PUC-SP, tem MBA na Universidade de Michigan e na Universidade de Navarra.

Oracle: empresa de tecnologia fundada em 1977 no Vale do Silício, na Califórnia. Hoje, sua sede fica em Austin, no Texas. É uma referência global no gerenciamento de bancos de dados e servidores para diferentes instituições, de empresas a governos, e atua com infraestrutura e aplicações em nuvem. O faturamento global em 2020 foi de US$ 39 bilhões, com 430 mil clientes em 175 países. A subsidiária brasileira existe desde 1988 e tem 1.867 funcionários.