SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após uma sequência de três manifestações em 35 dias, o grupo de movimentos sociais e partidos que convoca atos de rua contra o presidente Jair Bolsonaro enfrenta impasses para manter a participação popular, atrair novas camadas e ampliar o escopo de apoios para além da esquerda.
A rejeição à chegada de forças à direita foi simbolizada no sábado (3) pelas agressões de militantes do PCO a filiados do PSDB na capital paulista, que se juntaram pela primeira vez aos protestos. Tratado como episódio isolado, o caso ainda não mereceu resposta oficial dos organizadores.
O tema deve ser debatido ao longo da semana em reunião da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum pró-impeachment que agrupa as instituições envolvidas, como as frentes Povo sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos e os partidos PT, PSOL, PC do B, UP e PCO, entre outros.
Escoradas no argumento de que o protesto de sábado foi preparado às pressas para aproveitar a temperatura política diante das denúncias de corrupção na compra de vacinas contra a Covid-19, líderes das entidades minimizam o esvaziamento de parte dos atos e dizem não perseguir recordes.
Na avaliação mais otimista, o ato em São Paulo manteve a quantidade de participantes da manifestação anterior, em 19 de junho. Segundo a organização, foram 100 mil. A Secretaria Estadual da Segurança Pública estimou em 5.500 o número de pessoas na avenida Paulista, ante 9.000 em junho.
O discurso da campanha é o de que, embora possam ter ocorrido oscilações de público em algumas cidades (para mais ou para menos), a capilaridade foi preservada, com movimentações em todas as capitais.
Segundo o fórum, os 352 atos no Brasil e 35 no exterior mantiveram a pressão sobre o Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem cabe dar início a um processo de impeachment. Em junho, foram 426 atos em 407 cidades no Brasil e 19 cidades no exterior.
“Por ser um ato convocado em uma semana, foi muito positivo em termos de cidades e participação”, diz Raimundo Bonfim, que coordena a CMP (Central de Movimentos Populares) e integra a frente Brasil Popular. “Criamos um fato político significativo, indo às ruas continuadamente, em plena pandemia.”
A previsão anterior era a de que os protestos voltassem a acontecer somente em 24 de julho, mas a data extra foi fechada em reunião emergencial em 26 de junho, motivada por denúncias reveladas pelo jornal Folha de S.Palo e que ganharam impulso com as investigações da CPI da Covid no Senado.
A mobilização do dia 24 está confirmada e deve ser antecedida por ações descentralizadas das entidades. O intuito é estimular a participação de classes sociais mais baixas, vistas com menos frequência nas marchas, mesmo sendo, para líderes de esquerda, as maiores prejudicadas pelo governo.
A ainda tímida pluralidade no perfil dos manifestantes é um aspecto discutido nos bastidores. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) vem apontando a necessidade de arregimentar moradores de periferias e assalariados, para que os atos não fiquem restritos à classe média.
“Achei mais diverso desta vez”, afirma Raimundo. “Tinha mais gente da periferia e de grupos organizados, como juventude e sindicatos. Estava mais popular do que o do dia 19”, segue ele, acrescentando que os organizadores perseguem “um salto de qualidade”, não necessariamente de quantidade.
“Vi uma participação popular muito grande, famílias inteiras”, diz a presidente do partido UP no estado de São Paulo e porta-voz da coalizão Povo na Rua, Vivian Mendes. “É um sinal de que o povo está querendo ir para as ruas e o quanto antes derrubar esse governo, principalmente perante as novas denúncias.”
Os atritos provocados pela adesão de forças ao centro e à direita também estão na pauta. O apoio mais barulhento e controverso até aqui foi o do diretório paulistano do PSDB. Alas internas e líderes de partidos como PDT, PSL e Cidadania já haviam anunciado apoio às convocações, sem maiores traumas.
Embora a avaliação majoritária seja a de que concordar com a saída de Bolsonaro seja a única condição para que uma organização se some ao fórum, representantes de movimentos e de legendas lembram que outras bandeiras também são empunhadas, como a crítica às privatizações e reformas do governo.
No caso dos tucanos, um dos pontos de discórdia dentro da campanha se deu em torno da autorização para que o presidente do diretório, Fernando Alfredo, pudesse discursar no carro de som principal. Diante do receio de que o gesto pudesse fomentar rachas, decidiu-se por evitar o risco, ao menos por ora.
Alfredo afirmou à reportagem que a violência foi isolada e que, vestido com uma camiseta do PSDB, ele não sofreu hostilidades. O líder tucano diz que continuará frequentando atos de esquerda e que o diretório paulistano do PSDB apresentará um pedido de impeachment.
Segundo Vivian, porta-voz da coalizão Povo na Rua, a causa do “fora, Bolsonaro” é a prioritária, mas “as bandeiras neoliberais” também estão na mira dos manifestantes.
“Nós [da UP] trabalhamos para que as forças [de direita] não tenham voz nas ruas. A rua é de todos, mas vamos nos esforçar para que elas não tenham fala ou protagonismo. A esquerda conseguiu mobilizar, com muito custo, e depois vai jogar no colo da direita? Isso é absurdo.”
Para Raimundo, que é filiado ao PT, “a campanha tem, sim, que aparar arestas e enfrentar o desafio de dialogar com outros setores, mesmo aqueles com os quais há divergência”.
Grupos à direita como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua), que capitanearam manifestações contra governos do PT e em favor da Operação Lava Jato, até aqui se mantêm fora da convocação, apesar de assinarem pedidos de impeachment.
O MBL afirma que, em conjunto com outras forças da direita antibolsonarista, marcará atos de rua que sejam atraentes para eleitores de perfil conservador e arrependidos do voto no presidente. O movimento diz que levará em conta o avanço da vacinação e as condições da pandemia para divulgar a data.
O movimento destaca ainda que não será contrário à participação de apoiadores da esquerda.
A reação violenta de membros do PCO –que, segundo os relatos, atingiram também gente de esquerda que tentou conter as agressões– foi vista dentro da campanha como um fato negativo, que pode afastar participantes das próximas marchas e inibir a diversidade ideológica.
Para Antonio Carlos, dirigente do PCO, não há espaço para que outros grupos da mobilização censurem a participação de seus militantes. “Seria uma usurpação dos direitos no que diz respeito a cada organização”, diz à reportagem.
Os principais líderes de partidos de esquerda não comentaram a briga nas redes sociais.
Por outro lado, há a interpretação de que situações que fujam ao controle podem ocorrer à medida que os protestos se tornarem mais amplos. Os ataques a agências bancárias e a pontos de ônibus e os conflitos com agentes de segurança no fim do ato em São Paulo também repercutiram mal.
O próprio Bolsonaro, que desde maio vem se empenhando na deslegitimação das manifestações, buscando vinculá-las ao seu maior rival para as eleições de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usou as cenas de vandalismo como pretexto para revidar os detratores.
“Acho que o melhor é o diálogo, entrar no entendimento com o PCO de que a forma como eles agiram não ajuda a campanha, não fortalece a causa”, avalia Raimundo. “Sectarismo e vandalismo podem atrapalhar o processo de ampliação necessário para avançar a mobilização.”
“O grande problema das manifestações não são os meninos que quebraram vidraças, mas o fato de que os protestos não estão parando o país”, diz Vivian. “Como se fosse comparável a quebra de uma vidraça com as mais de 500 mil mortes encaminhadas por um Estado genocida. Não é.”
A dirigente da UP, no entanto, ressalva: “Essas ações feitas de forma isolada não são o elemento fundamental que a gente precisa para avançar em relação ao impeachment. Mas o que pode prejudicar o movimento não é isso, é só se as forças políticas deixarem de botar peso nas ruas”.
O PCO faz parte da campanha Fora Bolsonaro. O coletivo deve adotar um posicionamento sobre a confusão em uma reunião nesta semana. Nos bastidores, há desde a posição de que o partido deveria ser expulso até os que defendem diálogo para convencer a sigla a impedir violência de seus integrantes.
Para Antonio Neto, que participa da convocação como presidente municipal do PDT na capital paulista e presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), o episódio de agressão não será determinante no futuro da iniciativa.
“Infelizmente, foi um erro desses companheiros do PCO, fazer um papel de achar que sozinha a extrema esquerda vai conseguir derrubar Bolsonaro. Para que tenhamos o impeachment, cabe todo o mundo que estiver lutando pelo país”, diz.
“Para nós, foi um prazer ver que o PSDB da capital veio para o jogo. Seria ótimo que todos os partidos viessem, para que a gente acabasse com esse momento ruim, de um presidente marcado pelo descontrole e, agora, pelos indícios de corrupção. É necessária a mais ampla unidade que possamos construir.”