EDUARDO MOURA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Graças a Deus ninguém consegue me dizer ‘não'”, disse Claudia Raia, há pouco mais de dois anos, quando ela anunciava a inauguração do _Teatral, casa de espetáculos no Complexo Aché Cultural, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. O ambicioso projeto era patrocinado pela Prevent Senior.
Só que foi quando Raia disse “não” -no caso, “ele não”- ao então candidato Jair Bolsonaro que a Prevent Senior cancelou todo o projeto que a atriz comandava, que naquela altura já estava praticamente pronto.
Hoje enfrentando denúncias de irregularidades em meio à CPI da Covid, a Prevent Senior já demonstrava alinhamento firme a Bolsonaro também na cultura, outra importante linha de frente do bolsonarismo, mesmo antes do capitão reformado assumir o cargo que tem hoje.
No evento de agosto de 2018 que anunciou o _Teatral, Raia se gabava, com razão, de como tinha conseguido reunir e chefiar uma equipe formada por nomes de peso do meio cultural para o projeto que comandava. Entre os convocados, Adriana Calcanhotto, Rubens Ewald Filho, Ana Botafogo, José Possi Neto, Ingrid Guimarães, Rogério Flausino, Thalita Rebouças, Fernanda Gentil e Felipe Andreoli disseram “sim” à atriz.
No mês seguinte, logo antes do primeiro turno da eleição que alçou Bolsonaro ao Alvorada, Claudia Raia postou um vídeo de cinco segundos em que balança o dedo indicador de um lado para o outro e diz “ele não”.
“O que aconteceu é que, após uma postagem pessoal e apartidária nas minhas redes sociais sobre as eleições de 2018, os contratos foram cancelados, tive que cancelar apresentações, trabalhos de curadoria que já estavam fechados. Tudo isso teve um impacto não só para mim como para vários profissionais que estavam envolvidos. E não houve nenhuma explicação sobre o motivo, nada foi dito”, afirma Raia, em nota enviada a este jornal.
O projeto já estava praticamente pronto, com peças publicitárias já aprovadas e prontas para serem veiculadas. O cancelamento foi repentino -foram menos de 24 horas entre a postagem de Raia e o cancelamento do projeto, segundo Jarbas Homem de Mello, marido da atriz.
O vídeo de Raia veio em meio ao movimento #EleNão, de oposição à candidatura de Jair Bolsonaro, que ganhou repercussão na internet e nas ruas em 2018, e teve apoio de inúmeras celebridades, sobretudo mulheres, de Madonna a Sônia Braga.
Até maio deste ano, a Prevent Senior comandava a operação do teatro -havia na entrada um letreiro com o nome Teatro Prevent Senior-, que fica no mesmo prédio que o Instituto Tomie Ohtake, no Complexo Aché Cultural. De acordo com o instituto, o teatro apenas ocupa o mesmo edifício, mas nunca esteve ligado ao Tomie Ohtake.
A reportagem entrou em contato com a Prevent Senior e questionou as motivações do cancelamento do projeto, mas a única resposta que recebeu até a publicação desta reportagem foi que “o projeto era bom, mas acabou não se viabilizando”.
O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, prestou depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira.
O diretor foi convocado após denúncias de que a Prevent usou seus hospitais como laboratórios para estudos com hidroxicloroquina no tratamento da Covid. Um dossiê assinado por 15 médicos entregue à CPI confirma a denúncia e aponta que pacientes e familiares não eram consultados sobre a administração desses medicamentos.
O documento também mostra que os médicos eram obrigados a prescreverem os medicamentos, que eram enviados aos pacientes, em kits fechados, sob ameaça de serem demitidos.
O dossiê acusa ainda a Prevent Senior de alterar prontuários médicos, para ocultar eventuais problemas com o chamado tratamento precoce. Em particular, o documento menciona os casos do médico Anthony Wong e Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang -ambos morreram de Covid-19.